sexta-feira, 28 de outubro de 2011

A Minha Morte

A Minha Morte
Ao som do quarteto para cordas em si menor, de Barber.

Figura esguia, esquelética, à mostra a calva,
Recoberta por negros panos, em farrapos,
Lembrando, estes, rotos e velhos guardanapos,
E a cabeça esbranquiçada como a lua alva.

Dedos ósseos, compridos, nus, sem as unhas,
Dos olhos só se vêem as cavidades, sem glóbulos,
Boca descarnada, pronta para o derradeiro óbolo,
Em um momento que eu sequer supunha.

Seu abraço é frio, é congelante como a neve,
É escuro também, traz uma névoa trevosa,
E um frênesi corre minhas terminações nervosas!

Seu reinado é longo, o da vida, é tão breve,
Finalmente encontrei minha derradeira consorte,
Neste abraço, neste beijo fatal, da minha morte.


quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Cuida-te

Cuida-te

Não sei mais do teu sorriso. Não sei mais,
Não distingo, não seu mais do seu pranto,
Eu não sei mais palavras de acalanto,
Não reconheço seus novos comensais.

Não sei se choras, se choras de fato,
Ou se segues o roteiro já então escrito,
Se se trata de um ensaiado frio rito,
Para aparecer que choras, no retrato.

Não sei se fazes o que então não fazias,
Para sair estampada sua belíssima farsa.
Brindando nos cristais rachados de uma taça,
Mais uma vez em uma fotografia,

Mas a foto o tempo carcome e amarela,
E o véu da mentira o mesmo tempo esgarça
E cuida que os comensais a fortuna esparsa,
E da tua mentira te ficarão as seqüelas.






Cuida-te

Cuida-te

Não sei mais do teu sorriso. Não sei mais,
Não distingo, não seu mais do seu pranto,
Eu não sei mais palavras de acalanto,
Não reconheço seus novos comensais.

Não sei se choras, se choras de fato,
Ou se segues o roteiro já então escrito,
Se se trata de um ensaiado frio rito,
Para aparecer que choras, no retrato.

Não sei se fazes o que então não fazias,
Para sair estampada sua belíssima farsa.
Brindando nos cristais rachados de uma taça,
Mais uma vez em uma fotografia,

Mas a foto o tempo carcome e amarela,
E o véu da mentira o mesmo tempo esgarça
E cuida que os comensais a fortuna esparsa,
E da tua mentira te ficarão as seqüelas.






segunda-feira, 17 de outubro de 2011

A Tristeza

A Tristeza

A tristeza permeia-me a vida, como em volta de uma ilha,
As águas turvas, tormentosas de um profundo oceano.
Por isso tenho andado assim, tresloucado, assim insano,
Como um pai, que ao pé da cova, chora o cadáver da filha.

A tristeza, bruma que entra pelas frestas, espessa, densa,
Inocula-se qual o veneno insidioso de uma vil serpente,
Até que o corpo, esse corpo meu, nada mais, nada sente,
E que o espírito, toldado, inebriado por ela, não mais pensa.

Tristeza! Suas gotas amargas já me corroeram a língua,
Já me carcomeram a alma. Que lhe resta, verme preto,
Além do chacoalhar medonho dos ossos do meu esqueleto?

A alma! Já a tens, essa alma que dia a dia vai a míngua,
Sendo, de si mesma, de sua substância, menos, menos,
A tristeza! Tu és o mais paciente e potente de todos os venenos!

domingo, 16 de outubro de 2011

Os Verdadeiros Santos

Os Verdadeiros Santos

Agora me aparecem fantasiados de santos, de santos!
Ser santo na paz ociosa da mansidão, da saciedade,
Ser santo andando do lado de cá do rio da sociedade,
É o que há! Basta fingir uma beatífica auréola, belo manto.

Santos assim, aos montes, aos borbotões, temos,
De santos assim o próprio satanás anda, ele, à cata!
Santo é aquele que, embora faminto, não mata,
E que divide o seu nada com quem tem ainda menos.

Santo de fato é quem faz uma oração só, sem fim,
Que tem doenças, mas não encontra a sua cura,
E que dorme sob papelões nas gretas da noite escura.

Ser santo não é dependurar ridículas asas de borzeguim,
Nem segurar bíblias somente e somente dizer amém,
São os miseráveis verdadeiros santos, talvez não aqui, mas no além!


sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Adeus minha tia

Adeus minha tia
Pela Morte de uma tia.

Num sonho, eu observava o céu e via um cumulus preto,
Preto e roxo, da cor dos mantos da semana santa.
E olhando-o em detalhes, parecia que era uma janta,
Um jantar macabro comido por um enorme esqueleto.

Fiquei a cismar sobre aquela visagem, daquela caveira,
A devorar carnes e ossos, vísceras, sangue e músculos,
Que pareciam pequenos, pareciam deveras minúsculos,
Diante da circunferência nojenta da sua boca inteira.

Era a morte, concluí. E me perguntava o porque da visão.
Até que o telefone tocou. Que triste confirmação,
Morrera uma tia. E fiquei a cismar naquele sonho preciso.

Morte! Teu consolo serão as carnes da tua refeição impura,
Pois quando te puseres a devorar o corpo baixado na sepultura,
A alma da minha tia já há muito estará entrando no paraíso.



quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Como Saber da Morte

Como saber da morte

Perguntas-me como posso, sobre a morte,
Falar de forma tão detalhada como falo,
É que, com seu negro e tenebroso halo,
Ela marcou completamente a minha sorte.

Aquele monstro de breu e rutilâncias,
Que em outras páginas já descrevi,
Assombra-me desde o primeiro momento em que vivi,
Desde a mais antiga de todas minhas infâncias.

E vendo que meu corpo ainda lhe resiste,
A morte, estrategista, fria e calma,
Houve por bem assassinar-me a alma.

Alma morta, o que em mim se assiste,
O que em mim se pode ver então,
É u m grande vazio de um funéreo salão.

Morreu-me um Primo

Morreu-me um primo
Pela morte de um primo...

Perdi um primo. Era, em verdade, um primo distante,
Mas, ainda assim, distante que fosse, a gente
Que tem algum sentido, que tem senso, sente,
Muito embora pouco o tenha visto realmente antes.

E mais uma vez a morte, esse mostro de osso e pó,
Com sua capa de breu salpicada de rutilâncias,
Vem vencendo a vida em todas as suas instâncias,
Deixando o além mais denso, e quem esta vivo, mais só.

Vem com a força bruta de um imenso badalo,
Com a estupidez cega do coice de um cavalo,
A dizer-nos da insensatez dos sonhos que se têm.

Ao primo, desejo que, em sua última e plena morada,
Encontre a paz que em vida foi tão desejada.
E à morte, que não me leve mais ninguém.




segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Fim do Mistério

Fim do Mistério

A morte retira o senso, retira dos planos a lógica,
Dos anos retira os dias, da vida, anos, futuro,
A mentira, por seu turno, é um indevassável muro,
Mãe de um discurso de prosopopéia demagógica.

Sendo a morte o que se deparará na final encruzilhada,
De que vale falar da vida, da evolução, ou de amores,
Se vem a morte ou a mentira a trazer-nos as mesmas dores,
A alma sempre trespassada pelo frio gume dessa espada.

Por isso que minhas cordas poucos se plangem,
Por amigos, por amores, pela vida, ou por laços,
Se mentira e morte a tudo reduzem a tristes bagaços.

Seja porque pessoas morrem, seja porque fingem,
Por isso que sôo triste, sôo melancólico, tão sério,
Sei que o que não é mentira é morte, fim do mistério.



Juventude

Juventude

Juventude! Mera máscara que fatuamente fulgura,
Até que caia, como num baile que acaba-se findo,
E o tempo, esse irônico bastardo, a ficar-se rindo,
Do traço ridículo que a velhice traz à humana figura.

Juventude! Beijo fugaz que à carne concede a graça,
Ligeira fotografia em meio ao triste filme da vida,
Quando logo pelo mesmo tempo, a carne já ferida,
Sente a sua lâmina aguda que, funda, lhe perpassa.

Eu sei que é passageiro também o seu doce aroma,
Mais cedo do que se pensa, quebra-se a redoma,
E estilhaça-se a imagem da própria juventude.

E dos olhos esvai-se, sem perdão, a sua centelha,
E tudo não é mais que um acúmulo de carne velha,
Com um cheiro ocre e ácido de decrepitude.



sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Em que tudo se iguala

Em que tudo se iguala

O corpo é a unidade material a compor um jarro,
A alma,o líquido que o preenche em suas instâncias,
E se o corpo é recipiente uno em todas as substâncias,
Ora, o sangue não é mais puro do que o escarro.

Nem a lágrima, esse sal molhado que nos corre,
Nas faces, filha da alegria ou de um amor esvaído,
É mais nobre do que a saliva, este outro fluido,
Eis que tudo se iguala quando a carne morre.

Os mesmos lábios que beijam, em dois filetes
Sob a ação da gosma dos vermes famintos,
São devorados com avidez no sepulcral banquete.

Por isso que a mais bela idéia, mais sutil ideação,
Não vale mais que o mais vil dos instintos,
Eis que tudo se iguala na última mortal mansão.


quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Exilado

Exilado

Sou eu um exilado. Exílio em minha própria vida,
Como na casa que habito; nela habito, na verdade,
Habito apenas um quarto sem qualquer luminosidade,
Um arremedo de ambiente, coisa pouco parecida.

Que exílio atroz esse ao qual fui eu assim condenado,
De caminhar entre o que é meu, meu de direito,
Sem poder tocar; vendo tudo o quanto sendo desfeito,
Por invisíveis amarras ver a mim mesmo amordaçado.

Caminho por entre as coisas entufadas nessa casa cheia,
Caminho por entre as pessoas, qual flutuante esfera,
Como um espectro fantasmagórico de outras eras.

Quem diz que é mais triste o exílio em terra alheia,
Não sabe o quanto é que em seu considerar erra,
O pior de todos os exílios é o exílio na própria terra.