quarta-feira, 30 de novembro de 2011

O Verme Vencedor

O Verme Vencedor
Edgar Allan Poe

A noite é uma noite de gala, elegante,
Quando, nos últimos anos da humana vida
Uma legião de anjos, naquele instante,
Banhada em lágrimas e ricamente vestida,
Vem a um teatro para testemunhar,
Um roteiro de esperanças e de esperas,
Enquanto a orquestra fica a suspirar,
A música profunda das celestiais esferas.

Mímicos passando-se por deuses, ao alto da estrutura,
Das galerias inferiores, resmungos e murmúrios,
De bonecos que vão e vem, sentindo auguras,
Indo e vindo, e voltando, sob os espúrios,
Comandos de coisas vastas e informes,
Que o cenário trocam, mudam de local.
E, batendo asas de condor, enormes,
Uma invisível aflição espalha o seu mal.

Esse drama tão heterogêneo, isto é certo,
Estará sempre na lembrança,
Com seu fantasma, perseguido de perto,
Por uma multidão que não o alcança
Em um círculo que sempre fechado,
Que torna ao mesmo inicial ponto,
E muito de loucura, e mais de pecado,
È de horror o enredo deste conto.

Então, por entre a turba, entre a gentalha,
Penetrou uma estranha criatura,
Uma coisa vermelho-sangue que se contorce, se espalha,
Na solitária cena, cena impura!
Contorce-se, contorce-se, em agonia mortal,
E os mímicos são por ele devorados,
E serafins choram, soluçam vendo o imundo animal,
Que jaz embebido no sangue humano coagulado.

Apagadas estão as luzes, todas elas apagadas,
E a cada tremor, cada agitação,
A cortina, uma funérea fazenda amortalhada,
Vem abaixo com a violência de um furacão,
Enquanto os anjos, pálidos e lívidos – coisa insana!
Elevando-se e tirando seus véus, afirmam, com terror,
Que a peça é a tragédia humana,
E o seu herói, o verme vencedor.



segunda-feira, 28 de novembro de 2011

O Amor, esse ilusionista

O Amor, esse ilusionista

Como uma planta que nasce nas rachaduras do muro,
Forçando delicadamente as pedras, assim, em dor,
Quis a custo renascer a maldição que chamam amor,
Entre as lápides petrificadas do meu peito escuro.

Saindo como um fugitivo a fugir da masmorra,
Como o condenado que quer sair de sua cela,
Desabrochou inutilmente uma flor preta e amarela,
E convidou-me a amar, novamente, ainda que morra,

Eu cada vez que ame. Já tive o coração de amor aflito,
Mas agora, como um espelho d'águas eu reflito,
A calmaria dos lagos andinos, que descansa as vistas.

Tive o coração aflito, e agora, serenamente breve,
É com esta pena leve que este poema a mão escreve,
Sabendo que o amor é um maldito ilusionista.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Pensando em Eduardo Galeano

Pensando em Eduardo Galeano

Olhos pelas ruas e vejo peruanos, bolivianos, argentinos,
Velhos doentes, faces marcadas, faces cobertas,
É a América Latina com suas chagas, suas veias abertas,
Nos retratos dos velhos, dos mendigos e dos meninos.

Alguém dirá que este será o alto preço da civilização,
E que na mesma medida em que a população indígena,
Conhece a civilização, esta, por seu turno, inflige na,
A real medida de sua ultrapassada e triste condição.

E que, portanto, assim é o custo da organização ibérica,
Desigualdade em troca de costumes, pobreza e dinheiro
Homens em sua própria terra tratados como estrangeiros,

Tudo isso no coração outrora virgem da enorme América.
Mas a América não nasceu da Europa, velha e pútrida vagina,
A América já era América muito antes de ser latina!


sexta-feira, 18 de novembro de 2011

A distância de você

A distância de você

É noite já. E eu a percorrer distâncias imaginárias,
Caminhos, sendas, esquinas, ruas, avenidas,
Cada uma delas meticulosamente percorrida,
Uma, duas, cinco, sete, nove, várias,

Vezes eu chegava até o portão de onde você mora,
E olhava você sorrindo, através das vidraças,
Mas como uma brisa que vem, não fica, e que passa,
Eu olhava, olhava, sorria e ia me embora.

Foi preciso, para ter-te, e te ter de fato,
Que eu entendesse que presença é mais que contato,
Algo que não se encontra nos compêndios da ciência,

Pode ser próximo o que está do outro lado do mundo,
A distância não se mede em quilômetros, horas, segundos,
A distância se mede verdadeiramente em ausências!

sábado, 12 de novembro de 2011

Esse Poema, Teu Silêncio

Esse Poema, Teu Silêncio

Devo dizer, porque não consigo calar, querida,
Que o teu silêncio pleno e longo me dói, me dói,
E me abate, tanto quanto abate ao herói,
O sangue que não pára de jorrar de sua ferida.

Tenho andando soturno, enfumaçado em mistérios,
Pensando no teu isolamento imenso e total,
Pensando em você plantando flores no quintal,
Do teu tão distante e hermético monastério.

Enquanto plantas flores novas em tua horta,
Não veja esse poema como eu arrombando a porta,
Ou sitiando as muralhas do teu eu encastelado.

Esse poema é apenas de mim uma parcela,
Uma chamado para você para vir à sua janela,
Como faziam antigamente os namorados.


quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Pai e Filho (2)

Pai e Filho
Para Miguel
Enquanto eu tiver forças, o meu braço,
Será também o seu braço. Meu peito,
Será sua proteção, ainda que o meu desfeito,
Reste, enfraquecido pelo cansaço.

Tua carne minha carne é. Ainda é cedo,
Agora, e por enquanto tua mão cabe na minha,
Como pássaro pequeno nela se aninha,
Mas um dia os seus dedos engolirão meus dedos.

Guarda essas lembranças de hoje nas retinas,
As minhas palavras, guarda-as em teus ouvidos,
E segura bem forte nas tuas, as minhas mãos.

Assim, quando se descerrar a derradeira cortina,
E eu estiver no tempo de não mais ter sido,
Viverei ainda, intensamente, em seu coração.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Eu amei você

Eu Amei Você

Eu amei você com todas as minhas virtudes,
Amei você também com todos os meus defeitos,
Agora que descobri que a vida a todos ilude,
Vejo que o que era de nós restou assim desfeito.

E o que restou desfeito, será que fora então,
Realidade ou mito? Era rocha ou era bruma,
Já que escorreu como areia, como espuma,
Por entre os dedos de nossas próprias mãos?

Será que então posso falar em amor desfeito,
Se talvez amor fosse o que em meu peito,
Eu trouxesse, eu e somente eu apenas?

Talvez por isso eu tenha sofrido as penas,
Sozinho, triste, isolado naquele quarto escuro,
Sem passado, sem presente ... sem futuro!