terça-feira, 27 de dezembro de 2011

O meu grito

O meu grito

Ai, pedes-me silêncio, mas como, como?
Se entre os braços o silêncio eu estreito,
E ele arrebenta os ossos do meu peito,
Em repetidos e intransigentes assomos!

O nosso silêncio em meus ouvidos grita,
E minha alma treme, treme e solavanca,
Como esmaga a espuma frágil e branca,
A onda que se agiganta e o mar agita.

Silencio um pouco. Fico no silêncio sozinho,
E ele me traga como um rodamoinho,
Sorve para dentro de si todos os destroços!

Por isso que não silencio mais, eu grito!
E com meu grito eu berro como estou aflito,
Até que se arrebentem meus próprios ossos!

Deixe-os

Deixe-os

Eles passam! Eles gritam, você me olha,
Eles riem! Não, eles não são o inimigo,
Creia, eu sei, tenho certeza do que digo,
Sorrisos assim, a lágrima vem e molha.

Eu sei disso agora, quisera saber antes,
Eu já os olhei nos olhos, no fundo da retina,
O que nos separa é uma estreita e fina,
Realidade, que, porém, nos mantém distantes.

Deixe os rir, que se riam, se riam de nós,
Não é por estarmos certos que nossa voz,
Haverá de prevalecer. Não é sempre assim.

Deixe os rir. E elevar a bruta cantoria!
Enquanto eles berram fazemos poesia,
Eu faço para você, e você faz para mim!


quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Férrea Solidão

Férrea Solidão
Haverá algo que seja mais solitário,
Que um maquinista de um trem de carga,
Que bebe a noite como bebida amarga,
Conversando com companheiro imaginário?

Os faróis potentes iluminam a estrada escura,
Mas não clareiam a treva densa,
Da solidão. E ele provavelmente pensa,
Que será em vão toda a procura.

Haverá algo mais triste que o paralelismo dos trilhos,
Que somente se tocam no espaço infinito?
Que angústia será maior que a do maquinista aflito,
Que corta a escuridão da noite sem brilho?

Ah, melancólica, solitária, triste ferrovia,
Que, ao tempo que junta, também desampara,
Quando do olho a lágrima separa,
E, ao tempo em que enche, também esvazia

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Derradeiro Encontro

Derradeiro Encontro
Assim me dissestes, em meio ao lume,
Por entre os sons dos estridentes cristais,
Entre taças de vinhos e facas sem gumes,
Nebulosa penumbra de luzes a gás:

- Confesso que de início era doce o perfume,
Entretanto agora não me sinto assim mais,
Pois tudo em nós só me sabe ao estrume,
Das torpes mentiras de que fostes capaz!


Querida, agora uma só frase resume,
A nossa história: somos dois iguais,
Se puxares bens pelas tuas memórias,
Como levianos nós fomos, verás.

Juntos reunimos passagens inglórias,
E se de nossa história o amor tu retiras,
Restarão entre nós somente mentiras,
Qual jóias ornando ossadas mortais,

Ou somos canalhas, perfeitos bastardos,
Ou somos retardos, ou débeis mentais.

Então não me digas ser pobre inocente,
E que se pudesse voltavas atrás,
Esse seu argumento é tão incoerente,
Enredo escrito para enganar teus iguais.

Não vês minha querida: a palavra te falha,
Qual velha navalha não corta, não mais,
Serve-te apenas como mera mortalha,
Para tua honra morta que há muito que jaz!

Confessa querida tua parte no trato,
Nem mesmo é preciso que tu te vás,
És-me indiferente como um velho retrato,
Ver-te ou não ver-te para mim tanto faz.

Tinha a dizer-te só isso eu creio,
Destarte não sou mais remisso contigo,
Não sou teu amigo, tampouco te odeio,
Pois posso dizer-te, verdade mais pura,

Em nome do meu descanso e minha paz,
O tempo é da cura o princípio ativo,
Não sou seu cativo. Não! Não sou mais!
O tempo é princípio ativo da cura,

És-me indiferente como antiga pintura,
Até, até breve, até nunca mais!

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Minha Casa

Minha Casa
Minha casa tem muitos mil buracos,
Frestas, rachaduras e goteiras.
Minha casa é construída na beira,
Da rua. É feita toda de cacos.

Minha casa é feita de entulho,
Sobre alicerces de escória,
Minha casa não tem memória,
Apenas um quarto de bagulhos.

Minha casa, minha consciência,
É algo além da demência,
Última estação da loucura.

Sem endereço, sua mera referência,
Última casa da desinteligência,
Da rua que ninguém procura.

Inventário

Inventário
Minha querida precisava dizer-lhe,
E digo em silêncio, verdade velada,
Parece que o hoje morreu mais cedo,
Parece que a luz foi à força levada,
Qual chama de vela, tremendo de medo.

Minha querida no breu do silêncio,
Faço o inventário de tantas palavras,
Escrevo e escrevo rabiscos apenas,
Será que escritas no escuro as palavras,
São úteis ou são asas nuas, sem penas?

Minha querida, o que haverá,
Entre a verdade e o olhar de quem mente,
Entre um passado e o passo seguinte,
Entre a palavra e a língua dormente?

Minha querida permaneço no palco,
E sou prisioneiro do meu próprio roteiro,
Luzes acesas em meio a platéia,
Busco o sorriso de seu corpo inteiro.

Minha querida, no último ato,
Eu não percebi, a cortina caiu,
Cresceu um silêncio urgente, imediato,
Não entendi que um hiato surgiu,

E toda peça depois do roteiro,
Deixa de ser pura fantasia,
Torna-se fardo, torna-se morte,
Mentira, mentira, verdade vazia.

Minha querida, sozinho no palco,
Percebo que morro ao mundo que passo,
Vejo que me esquece tudo que existe,
Sou, no picadeiro, um triste palhaço,
Chorando no escuro, um palhaço triste

Eu Sou o Filho do Sonho Morto

Eu Sou o Filho do Sonho Morto
Minhas pálpebras são velas que não mais se içam,
E minhas íris castanhas são encalhados navios,
Eis que meus olhos são dois oceanos vazios,
Pois que os mecanismos das lágrimas já enguiçam.

Minha alma é um enorme marítimo rodamoinho,
Em que morrem todos os meus sonhos afogados,
Meus sonetos, todos eles, são rasgados,
Em meus diálogos eu estou sempre sozinho.

Eu sou o náufrago que não chegou ao porto,
Afogado por sonhar por demais,
É meu aquele feio e decomposto corpo,

Encontrado no mais longínquo cais.
Eu sou o filho do sonho morto,
Do sonho que não se pode sonhar mais.

Essas Tuas Mãos

Essas Tuas Mãos
As tuas mãos, ai estas mãos tão tuas,
Que perfeitos desenhos, perfeitas formas.
São qual a própria bela jóia que adorna,
As mesmas mãos que não tem jóias: estão nuas.

E tuas unhas, tuas tão lindas delgadas unhas,
Que coroam as pontas dos teus dedos,
E que, se fechados guardavam tantos segredos,
Abertos faziam carícias como eu jamais supunha.

Envolvidas tuas mãos nessa tua pele alva,
A parecerem brancas plumas intocadas,
Amavas-me com estas mãos sem qualquer ressalva.

Fortes mãos de indizível branda doçura,
Mãos de acalanto através da noite escura,
Mãos de amor intenso pelas madrugadas

sábado, 17 de dezembro de 2011

Perda Bruta

Perda Bruta

Hoje eu tive uma sensação de perda tão bruta,
Como se tudo em minha vida fosse um só desperdício,
E eu, aquele que foi desperdiçado desde o início,
Sendo a minha própria vida a perda mais absoluta.

A carne sofre do espírito os assomos várias vezes,
Como a terra sofre com o embate de dois titãs,
Como a ferida de uma irmã dói na outra irmã,
Ou num irmão, quando esses irmãos são siameses.

Taquicárdico, tossi, e de tosse tive seguidas crises,
A pressão sanguínea, de súbito, ficou alta,
O ar nos pulmões não entra mais e falta,
E saio então pelo caminho cuspindo hemoptises.

E assim cuspindo procuro as minhas pegadas,
Aquelas que definiram a minha própria trilha,
Mas, eis a crueldade dessa vil armadilha,
Eu fiz toda a trilha ser por mim mesmo apagada.

Que constatação horrenda, dura, tão rude,
Pudera eu ser como o animal que não pensa,
Pudesse eu sofrer uma terrível e maléfica doença,
E perder completamente a consciência e a saúde.

Com a dor de um homem que perdeu sua família,
Quero retroceder ao estado dos inertes vegetais,
Não quero consciência, não quero pensar mais,
Quero retornar à inconsciência cerebral de uma ervilha.

A dor que a perda faz doer em mim, cala e não berra,
De tão funda, de tão cortante, de tão densa,
Que em meio a tanta dor, a mente só pensa,
Se eu morresse, seria um cancro a menos sobre a terra!

Que a sensação que tenho – explique-a a ciência,
Diante de tamanha perda, de tamanha chaga,
Serei como a enchente que o sumidouro traga,
E serei como se nunca tivesse tido existência.





Chaga em forma de homem

Chaga em forma de homem

Peregrino triste, pelo caminho vou colecionando mágoas,
Como quem resvala nas barrancas de um precipício,
E, tanta mágoa, tanta desilusão tive, que já por vício,
Que a mágoa anterior na boca eu sempre trago-a.

E a minha frágua, de tanta mágoa, é tão extensa,
Que sou eu inteiro, uma ferida, uma ferida só,
Recoberta do pergaminho da pele e de pó,
Ao ponto de não haver cura para minha doença.

Essa mágoa toda a minha natureza ora exprime
Ela, com seus contornos agora me define,
Diante dela todos os mais caracteres somem.

De tal modo que ao me verem caminhar pela estrada,
Com o corpo recurvado e a alma toda machucada,
Hão de dizer: - lá vai a chaga em forma de homem!